"Falar é superficial,por mais profunda que seja a fala.

Tocar é profundo, por mais superficial que seja o toque."

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

As cores filosóficas.

Comecei a pintar um novo quadro. Acho que finalmente encontrei o meu canal de escoamento de energia. Não falo só da energia negativa que vou recolhendo por onde passo. Refiro-me ao excesso de energia do bem, produtiva, saudável, que envolve amor, paixão, tesão, generosidade, o outro, o diferente, o complementar. Energia que, se não canalizada, pode nos fazer explodir.
Pensamentos positivos nos encharcam de carga, de pilha, de magnetismo,  adrenalina e ansiedade, mas nem sempre o mundo material consegue absorver tanta força. No mundo dos fenômenos, como diz sabiamente a Seicho-No-Ie, tudo requer um tempo, um processo,  um passo-a-passo e uma longa espera. Nossa urgência de viver o que tem hora e lugar marcado para acontecer nos adoece. Mas mesmo assim não conseguimos entender que precisamos gestar tudo o que deve ganhar vida e continuamos a exigir que o corpo faça mágicas.
A pintura me reeduca porque ela só começa a acontecer quando entro no transe que as pinceladas provocam. E para este começo, preciso esperar, sintonizar e eliminar os estímulos que estão em volta. Depois, é necessário brincar com as cores, misturá-las, descobrir suas nuances e rasgar o leque das suas incontáveis possibilidades de combinação. Escolher os pincéis, trocá-los nas curvas e na largura do traço.
Aí vem a dança do pintar, o ritual mágico que alucina e fascina, deixando o espírito solto, livre, sem leis ou fronteiras. Nesta hora acontece a cura, a harmonia e a paciência sempre asfixiadas por tantos invólucros  e impedimentos que trancafiam a alma no corpo físico.
Isto tudo, no etérico, na mente, é feito em questões de segundos. Em quaisquer minutos podemos pintar milhares de quadros e expressar cestos de sentimentos jamais imaginados ou provados.
O problema é aprender a passar tudo isto para o mundo das formas. O tempo interno não se sujeita ao arrastar preguiçoso dos ponteiros do relógio. O tempo externo é vivido a suaves prestações: hoje, agora, depois, passado, presente, amanhã. Tudo encaixotado e empilhado em prateleiras inalcansáveis. Interferência do homem na obra de Deus.
Pintar me obriga a fazer esta passagem suavemente, sem pressa, saboreando cada nascimento e morte que acontece na tela. E  correr todos os riscos, intensamente, sem arranhões ou fraturas.
Estou pintando um barco que vem de longe, não sei de onde, e nunca chega. Ele precisa da onda que o embala. A onda depende da mistura de tintas que simula o vento que pode não chegar naquele dia.
Pintar me acalma bastante porque esta arte detesta  o descuido e a nossa urgência interior. Detesta tudo que vem projetado e determinado.
Meu barco vem devagarinho, ao sabor do vento. Ele não sabe se vai chegar quando ou onde vai ancorar. Ele simplesmente me ensina a navegar, sem medo das ondas, das tempestades ou da imensidão. 
Minha pequena embarcação não traz um antes, nem se preocupa com o depois.  Ela apenas se deixa apanhar em um dado momento para logo mudar seus planos de viagem e me deixar deslumbrada à deriva, marinheira a fitar horizontes, misturando cores que compõem a minha aquarela interior.


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